O duelo entre o bronco e a comida...


Foi a um restaurante fino - "até então" -, muito bem conceituado, indicado pela elite paulistana. Um tipo sisudo, que parecia estar sempre enfiado num cabide. O garçom o recebeu. Segundo sua avaliação, um moço - "até então" - muito educado, simpático. Pediu um prato árabe, com umas ervas e guarnições. Parecia apetitoso. Rápido veio, coisa de dez minutos, o "maldito" prato. "Que troço medonho, horroroso!", pensou o cidadão. Purê, de sabe-se lá o quê; cuscuz; e a abominação: o hambúrguer com uma espécie de bandeira vermelha cravada na carne. Na mesma hora, interpelou o pobre garçom:
- Que troço é esse, rapaz, tenho cara de comunista?
- Não, meu senhor! Isso só é um prato árabe.
- Alguém aqui fez isso para me afrontar.
- Não, não senhor! Nossos pratos sempre foram assim, para qualquer cliente.
- Pois olhe o absurdo, tem até uma estrela verde no meio! Pelo que me lembro, isso é coisa de vagabundo, de reggae, maconheiro.
- Vou falar com o chef.
- Fale! Deve ser um comunistinha, vagabundo; lulista, safado.
Nas outras mesas, murmúrios, risos. Sentindo o prenúncio de um alvoroço no restaurante, o chef, independente do chamado, chegou à mesa, já a postos depois de ouvir os ladridos do dito "cidadão de bem".
- Algum problema, senhor?
- Primeiramente, me chame de Doutor Meireles.
- Pois bem, "doutô" Meireles, o que aconteceu?
- Venho eu a esse recinto, com todo o respeito, apenas para jantar, e vocês me põem um treco comunista na carne. Isso é para me afrontar, sabendo que eu sou um "cidadão de bem".
- Absolutamente, senhor. Nós nem o conhecemos.
- Como não, se estou na mídia?! Todos me conhecem. Organizo esses movimentos contra a vagabundagem.
- Reafirmo, senhor, não o conhecemos.
- Vocês, seus irresponsáveis, colocaram uma bandeira comunista na minha comida. É muita ousadia!
- Hummm...
- E ainda se fazem de mal-entendidos... você aí faz pouco caso, não é? Pois saiba, vou processar esse restaurante. Todos aqui estão de testemunha!
- Bom, antes, acho melhor o "doutô" estudar e não me fazer perder tempo. Procure saber que bandeira é essa e que prato o senhor iria comer. Quem está desrespeitando aqui é o senhor, em desconsiderar a bandeira e a comida do meu país. No mais, as testemunhas aqui só comprovaram a sua ignorância. Faça-me a gentileza de sair daqui voluntariamente, antes que eu chame a polícia. Passe bem, "cidadão de bem".

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