À
primeira vista, assim, de cara limpa, ninguém percebe. O homem é multiuso, como
a palha de aço. Um sujeito bacana, boa praça. Um faz-tudo refinado, ou melhor,
dedicado. Vai, literalmente, a fundo no ofício, como diz: “Ninguém dá valor,
mas na hora do sofrimento, da correria adoidada – claro, com medo -, eu que
sou chamado. Lavo a burra com o dinheirinho e ainda salvo as minhas bichinhas
do pior!”.
De
tão calejado, foi à uma chamada urgente urgentíssima – como relatou a senhora
ao telefone - sem o equipamento completo. Erro de hábito. Desceu, ainda assim,
carregado. Botas, luva de couro, outras luvas cirúrgicas; óculos de proteção,
avental, pé de cabra, sifão, aparadores de metal. Mas o principal só percebera
ali, na conferência: “Cadê a porra da gaiola?!”. Não se agoniou. Aliás, se
perturbou um pouco, mais pela raiva da distração. “Minha senhora, por favor,
arranje uma caixa de sapato ou qualquer coisa assim”. A senhora aperreada,
alucinada com a ideia do encontro, disparou num trote só e se estatelou com
tudo no chão. Josué, o faz-tudo, como era chamado, correu para socorrer. Com
isso, sentiu, “já perdi o time!”. A
bichinha certamente já tinha mudado de lugar. Levou-a ao quarto, deixou-a na
cama, e disse: “Se preocupe não, dona, o serviço vai ser feito. Fique tranquila
aqui! Me diga só onde eu encontro uma caixa”. Indicou, meio confusa, a direção
do closet. Josué faz-tudo pegou a
maior, por via das dúvidas.
Voltou
ao serviço. Concentrou-se. Deixou a caixa a postos. Com ouvido de tuberculoso,
escutou lá no canto direito o chiado, atrás da máquina de lavar. Afastou
devagar, porque sabia, pelo som, que a bichinha não era tão pequenininha assim.
Nada de surpresa, só um monte de sujeira espalhada. A criatura ligada tinha
dado no pé. Até que olhou melhor e achou um buraco na parede. Não teve dúvida,
meteu bronca na quebradeira. Subiu poeira para todo lado. A senhora chegou injuriada:
“Que é isso, meu sinhô?! Tá quebrando tudo?!”. “Desculpe, minha senhora, mas o
serviço aqui é maior do que eu pensava. E eu tenho que tirar essa bichinha
daqui”. Mais de uma hora no sufoco, o calor no meio do mundo, Josué faz-tudo não conseguia encontrar. Apelou para a sutileza, a sedução: “Saia, minha fia,
eu quero lhe salvar!”. Foi aí que, como num passe de mágica, a gabiru saiu,
acabrunhada, mas mostrando os dentes. Alvoroço total. A mulher gritava, corria,
rezava para Deus e todos os santos, de uma só vez. “Não assuste não, minha
senhora! Vá pra lá!”. Não tinha caixa que desse jeito. Josué faz-tudo, com o
carro de ré, já engatado quase na porta da cozinha, deu um queijinho para a
Sofia, sua nova filha; carregou-a no braço até o carro. Sem exagero, a
“pequena” criatura pesava uns dez quilos e media o tamanho do seu antebraço.
“Meu
sinhô, dê um jeito nisso! Mate logo, taque fogo, que eu lhe pago em dobro!”.
“Precisa então pagar não, minha senhora, fique só com o prejuízo de tapar esse
buraco aí”. Josué, morto de feliz, rindo para o tempo, fumou um cigarro
enquanto dirigia, e pensava, abestalhado: “O que que essa mulher deu esses anos
todos pra minha cria comer?!”.
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