Voltei ao fatídico bar. Mas dessa vez devidamente paramentado, como um bom Ghostbusters deve ser. Não podia
vacilar. Antes que alguém pergunte, tenho um casaco com sete ou oito bolsos.
Levei o kit: uma máscara cirúrgica;
uma acetona, para conter um possível desmaio; um par de luvas cirúrgicas; um
saco plástico comum, esses de supermercado mesmo; e um frasquinho de álcool em
gel. Segui rumo ao “desconhecido”. Domingo à noite. Marasmo total. Vento frio,
forte. Nenhum pé de gente na rua. Imaginei: “Cenário perfeito, pouca gente no
recinto!”. Abri. A porta com um ranger fora do normal. Fui direto ao balcão. O
senhor, sorridente e monossilábico, me fitou dos pés à cabeça. Um calafrio
repentino subiu, porque, no mesmo instante, lembrei-me do filme Psicose, Hitchcock;
daquele cara lá de duas “personalidades”. E perguntou: “O senhor deseja algo?”.
Eu: “O de sempre. Um Chopp (aqui, caña), por favor”. Refleti: “Da outra vez
esse homem não me olhava tanto. Talvez eu esteja exalando medo”. Quanto aos
guardanapos, impossível não notar. Todos rigorosamente espalhados no chão. Ah, detalhe:
dias antes, fui a um bar para tira-teima, com três funcionários bem dispostos;
ou seja, um no balcão, servindo, outro na “limpeza” das mesas, e, mais um,
entre cozinha e salão, ziguezagueando. E adivinha!? Os guardanapos dispersos no
chão, como “monumentos”, “troféus”. A
questão, então, não é o fato de ter só um funcionário. Voltando...eu não tenho
jeito para essas coisas, de fingir, me portar como se não tivesse acontecendo
nada. Scablummm! Dito e feito, a metade da cerveja derramada no balcão. Pedi
mil desculpas. O senhor, com um olhar “sereno”, disse: “Não passa nada, meu
jovem. Vou limpar e repor a sua cerveja”. Perdi o rebolado. Pensei: “Vou passar
mais um tempinho aqui. Pedir mais uma depois dessa, para despistar”. Nunca
imaginei uma saga tão grande para averiguar a porcaria de um banheiro. Mas me
veio o sentimento cívico: “Se achar algo, ligo para o 190 - não sei qual é o
telefone de emergência daqui - e saio como herói. Será?”. Tomei calmamente a
cerveja. Sempre com um sorrisinho de canto de boca. Não queria puxar papo, para
não me embolar. Ele surgiu, de uma vez, por debaixo do balcão. O susto maior do
mundo. “O que o rapaz faz nessa cidade?”. Pensei: “Eu, estrangeiro, em
Salamanca, haveria de fazer outra coisa a não ser estudar?”. Respondi,
educadamente: “Ficarei por um tempo a estudo”. Cismei: “Poxa, não posso dar
muita informação. Vai que esse cara é um psi aí qualquer”. Ele: “Estuda o que
mesmo?”. Eu: “Direito”. Tão vago quanto habitual. Aproveitei o ensejo. Chegou o
grande momento. Falei: “O senhor me dá licença. Vou ao banheiro”. Puxei a porta
de, certamente, meia tonelada, de madeira pura. Abriu-se um portal para uma
nova dimensão. Imediatamente, fechei a porta e coloquei a máscara. Passei o
álcool em gel. Coloquei as luvas, cirurgicamente. Daí bateu o medo: “E se sair
um troço daqui!”. Me acalmei, não podia demorar. Levantei tampas. Vasculhei
vasos, frestas, tudo que era buraco. Um móvel! Negócio completamente sem nexo,
um móvel ali. Só podia ser a chave da questão. Afastei-o, devagar. Uma luz
encandeou. Não, não posso romantizar, a verdade: o cheiro e as moscas mesmo, subiram
rapidamente, esquentando as narinas; tomando conta do local. Um ralo, por debaixo
do móvel. Estava mais perto que nunca. Tive de levantar a tampa. Uma gosma
verde prendia a tampa. Puxei com um pouco mais de força. Spaft!!! Caí. Um grito
lá de fora: “Está tudo bem?”. Respondi: “Sim. Tranquilo!”. Poxa, estraguei
tudo. Concentrei. Puxei novamente, com mais cuidado. Saiu, a maldita. A
comprovação: a merda de um rato morto. Revoltado, abri a porta, porque depressa
me lembrei da porção de batatas com embutido (linguiça) que comi ali, há uma
semana. Deixei o dinheiro sobre o balcão. O homem perguntou: “Já vai, jovem?”.
“Vou! Obrigado! Uma pergunta: o senhor não sentiu um cheiro horrível nesse
banheiro não?!”. “Não! É que estou com uma sinusite terrível há mais de três
semanas”. “Pu-ta-mer-da (em português mesmo)!!!”. E saí, para nunca mais.
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