Chamei o Uber...




Chamei o Uber. Não é acidental, para mim não! Espero sempre que os encontros provoquem descobertas, no mínimo, interessantes, frutíferas. Encontro de almas não se faz assim, por acaso. Aliás, faz sim, muitas vezes; mas com propósitos. Quando vou à bodega comprar pão, à mercearia ou, até mesmo, pegar uma pipoca lá no carrinho do seu Zé, tudo isso tem um porquê. Só de lembrar o agrado do seu Zé, quando me enchia a mão de pipoca no intervalo das aulas ou na saída, sem eu pagar um centavo furado, me dá um nó na garganta de saudade; um amor imenso, uma ternura sem fim... A primeira vez que vi minha melhor amiga numa roda de capoeira, sorriso largo – claro, muitos dentes - e zero de jeito para coisa, pensei: “essa é das minhas, está aqui só pela folia”. Dito e feito! Bom, na hora do pedido, a enigmática foto me fez montar, de imediato, o perfil do carinha. É um laser óptico conectado da retina diretamente ao córtex cerebral, só pode. Nasci com esse troço. Nem minha mãe sabe explicar. E olha que funciona até bem. Vi um homem novo, inteligente, maduro, bonito, dos seus quarenta anos, no máximo; formado, solteiro e sem filhos... Enfim chegou! Não aguentava de tanta ansiedade. Da obrigação, “ah, a bendita obrigação!”, já nem lembrava mais. Corri. Não, voltei para fechar direito o portão e, adivinha, dei um belo de um tropeção, quase caí de fuça no chão. Entrei no carro, já rindo de mim – normal -, a adorável estabanada:

- Oi, tudo bom? Rsrsrs..
- Tudo, moça? Fernanda, né, seu nome?
- É sim...
Olhávamos pelo retrovisor, conversando, de início, com os olhos e sorrisos de orelha a orelha. Cheios de expectativas, curiosidades...
- Sou Carlos. Quer uma água, bolachas? São cortesias da casa.
- Não, obrigada. Acabei de merendar...

Um bom termômetro, para você saber: se a viagem demorar, seja a distância que for, não está indo nada bem. Quando a conversa está boa, você não vê o tempo passar. E a conversa ia, assim, meio morna, sabe; até degringolar ladeira abaixo, inclinadíssima, diga-se de passagem. Deu até vertigem. Falou que tinha trabalhado muito tempo na zona industrial de Maracanaú; ganhava bem, mas que, com a crise e uma separação seguida, não tinha sobrado nada, a não ser a filha de quatorze anos. “What, seu moço?! Então sobrou. E foi muito!!”. E bodejou, sem respirar: que o carro era alugado; o período estava péssimo; pouco cliente; o Uber ia quebrar; o Lula ia ser preso; o Brasil ia entrar numa guerra civil etc., etc., etc. Ufa! Destilou um ódio horrível à ex-mulher. Deus que me livre! Traduzindo: saudade, chifre. Pelo visto não teve culpa nenhuma, o santinho. Disse que era evangélico também. E, para fechar com chave de ouro, passou os últimos dez minutos tentando me convencer a votar em quem, em quem?!?! No “mito”. Ah, não! Me poupe! Vá pastar, seu moço, vai que você encontra sua turma por lá!... A corrida começou com um sorrisão e terminou uma depressão. O laser biônico falhou, e feio. O propósito, migux, continua sendo o verdadeiro encontro de almas. Pera, ali na esquina tem uma, eu creio. Fui...

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