igualdade.


Essa situação não me sai da mente, de tão abismado que fiquei. Certa vez, um conhecido me narrou um caso: disse que foi tratar de um serviço de reparo em sua casa, quando o senhor que o atendeu teve o “desplante” de se referir a ele pelo pronome de tratamento “seu”. Falou que se sentiu extremamente incomodado e retrucou: "Ora, sou doutor, com título acadêmico. Como pode?". Para ele, esse tipo de “menção” deveria ser dado a um feirante ou a qualquer outro trabalhador ordinário, talvez, em seu entendimento, insignificante. E ainda soube que, sempre que possível, não perde tempo em explicar o significado de doutor, e reafirmar a importância do seu título, mesmo àqueles que não têm interesse ou com pouco estudo.

Fato como esse parece excepcional, mas não. É herança dos títulos de nobreza – vale lembrar, extintos desde a proclamação da república, em 1889 -, duma podridão que insistem em manter em sociedade a discriminação, a separação entre brasileiros de melhor ou pior estirpe, apontando quem é mau ou bom, como faz perceber Darcy Ribeiro. Nada mais nada menos do que gente como a gente, que tem conhecimento técnico e que não alcança o significado de humanidade, às vezes porque não quer. O saber é para ser partilhado: é dádiva.

Imediatamente, aquilo me roeu os ossos. Não queria estar ali para ouvir isso, absolutamente. Desde aí pude comprovar que, por mais que as pessoas demonstrem ser a favor da igualdade, há um apego ao “top”, ao “vip”, ao “diferencial”, que de fato, no começo e no fim, tudo é invariavelmente igual. Experiências sociais como essa expõem o quão distantes estamos de nós mesmos. Não me conformo em imaginar que um ser humano, por ter obtido sucesso na vida acadêmica, econômica ou social, que seja, em razão de vários fatores favoráveis - é certo -, achar que, por isso, possui mais valor que outro. Ser humano é ser humano, e ponto!

Também, naquele mesmo momento me veio à mente a história de vida do meu pai. Homem vindo de uma família pobre do interior do Ceará, arrimo de um total de 13 irmãos, mais mãe e pai. Muito novo, trabalhando como feirante e guardador de carro, ainda juntou forças e teve frestas de possibilidades para estudar – coisa que muitos, infelizmente, não têm condições de fazer, porque precisam trabalhar arduamente, moram longe da escola etc. Pois esse homem, por mérito próprio, quase sem referência, conseguiu duas formaturas, a última com mais de 45 anos. E sempre deixou claro: “Meu filho, respeite! Nunca desmereça ninguém por nenhum motivo. Não julgue, ajude!”.

Penso que tudo isso tem uma raiz: o desamor. A capacidade de olhar o outro no mesmo plano, como merecedor de igual consideração, pela alteridade, faz com que dissipemos as diferenças e aproximemos os interesses.

Aquele que joga luz em si mesmo mal consegue acompanhar que o sistema social só funciona por existir, de igual importância, o trabalho do agricultor, homem simples do campo, que cuida da comida que chega em sua casa; que os resíduos materiais deixados em sua rua são retirados pelo lixeiro, ser guerreirx que deixa a cidade em condições salubres para se viver.

Ser humano assim, por acaso, consegue entender que Luiz Gonzaga é doutor da música, ainda que não tenha diploma? E que gênios, de quase todas as áreas, não possuíram diploma algum? Acho que isso deve dá um bug na mente dos sabichões.

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