a barbárie bate à porta

Em tempos de “homens de bem”, moralismo de aparência, julgar é a palavra de ordem. Facilmente as pessoas sabem expor os defeitos dos outros com até bastante dramaticidade, frente aos seus. Parece um desejo mórbido de se referir ao outro com desprezo para enaltecer suas “qualidades”: “Como pode fulana usar essa roupa? Tá querendo”; “Cabelo de vagabundo! Deve tá roubando”; “Fulano só anda com gente que não presta. Tá fazendo besteira por aí”. A língua é afiada, mas o coração é bruto. Quem é capaz de saber a história de vida de alguém e entender as suas razões? Quem quer escutar? O ser humano, que está na rua, deixou de ser gente? Na verdade, forçam a amnésia quanto aos seus atos ou julgam, por e para si, que não são defeitos. Mas os dos outros são.

É chamar de vagabundo um mendigo; ficar com troco a mais; aceitar favorecimento; não respeitar fila; querer derrubar o colega de trabalho; sentar na cadeira reservada para idoso nos ônibus; receber de órgão público sem trabalhar etc. etc. Talvez no imaginário popular sejam comportamentos incorporados como normais, sem importância, mas essas solenes inconsequências certamente vêm redundando esse mar de lama da política, que nada mais é do que reflexo da sociedade. E, inclusive, basta falar bonito e estar bem vestidx para transmitir confiança e restabelecer, com isso, a reputação dx sujeitx perante a opinião pública.

As pessoas são capazes, num piscar de olhos, de dizer o que é abominável no outro e ali mesmo aplicar a pena, de preferência, nesse entendimento, que seja atroz, para “o sujeito aprender”. Como nos tempos medievais, avaliam os que não deveriam julgar, num processo ilegítimo, extremamente ligeiro (talvez segundos), e com uma pena previamente pensada, quiçá o empalhamento, pois “bandido bom é bandido morto” - diga-se, o negro e o pobre, e bem morto para servir de exemplo. Por isso, muitxs estão cada vez mais sedentxs por restaurar no Brasil a pena de morte, que, concluiu-se, com informações técnicas, depois de anos, que incriminados, condenados pela mídia e pela sociedade, não tinham nada a ver com os casos a eles imputados. São tragédias inefáveis, contra inocentes. A probabilidade de erro é assustadora: “Um estudo publicado nesta segunda-feira pela revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences estima que pelo menos 4,1% dos condenados à morte nos EUA são inocentes - uma em cada 25 pessoas condenadas”. (Corrêa, A. (2014). De Nova York para a BBC Brasil).


Nesse cenário seguimos, de incompreensões e de ódio ao próximo. E, doentes, buscam ajuda para se livrar dos pesos da vida, mas mais leve estariam se não falassem do outro com tanto desprezo e se não houvesse condenações gravadas nos rostos alheios. Aliás, as nossas testas também têm espaço suficiente para exibir nossos erros? "Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela".

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