o que é fracasso pra você?

Num certo momento de minha vida, quando estava muito desorientado quanto ao futuro (algo ainda recorrente, mas hoje, por paz, prefiro não ligar muito), tive de tomar uma decisão: fechar o comércio que possuía, um petshop. Aquilo parecia que não tinha tocado só a mim, mas muita gente se sentiu ferida/preocupada com o “fim”. Para esse povo, isso tinha um ar de que o fracasso de alguém próximo também tinha a ver com a sua própria derrota, de como encarar as outras pessoas etc. "O que vão pensar de mim?".

Quando resolvi de fato fechar, depois de cerca de dois anos de atividades, alguns disseram: “Não fecha, tenta mais um pouco. O que vão pensar de ti? Que tu fracassaste?”. Ainda caí nessa de pensar mais, se estava fazendo a coisa certa, se não ia dar uma reviravolta tresloucada na minha vida e depois me arrepender. Refleti: se eu não mudar, minha vida vai estacionar; e ainda assim, ter de ficar suportando o que não gosto, não tem a ver comigo, isso vai me acabar.

E assim tem sido até hoje. Primeiro saí da faculdade de agronomia, sem remorso, a não ser para a minha família, que não gostou muito da ideia – queria me convencer a terminar e depois fazer a faculdade de direito; outros, meio com desconfiança, apoiaram. No entanto, nunca ninguém parou para conversar sério comigo, saber o que estava acontecendo; o por quê daquela mudança. No fundo eu sabia de uma coisa, não suportava mais estar lá. Duas greves longas e muita engenharia na cabeça me fizeram tomar uma decisão.

Fui para o Direito de mala e cuia. Entusiasmado, sem ideia do mundo que me tomaria. Na verdade tinha pressões imensas, 24 anos, uma faculdade não concluída, cobranças de um futuro de “sucesso” etc. Então cedi um pouco e resolvi fazer, no primeiro semestre, as duas faculdades. Um erro enorme. Nada com nada, Direito e Agronomia. Confirmei que não queria a Agronomia. Linda faculdade, de grande importância social, mas eu não poderia ser um bom profissional. Ou talvez sim, a muito custo.

Com exatos quatro anos me formei. Foi uma festa! Nem eu acreditava que me sairia tão bem. Lavei a alma. Vi que com amor se constrói. Logo depois, em 2010, soube da doença de meu pai, o câncer. Assumi todas as suas atividades. Recém-formado, sem experiência, com um pai muito doente, ainda consegui me manter firme. Cumpri com o meu papel, principalmente porque queria proporcionar todo conforto a ele. Ainda conseguia tempo para estudar para concurso, um desejo de meu pai, também advogado. Homem de extraordinários valores, sempre me incutia, com razão, que seria bom passar num concurso, especialmente pela estabilidade. Eu ainda matutava se seria feliz assim.

Ressurgiu um desejo antigo. Tomei gosto pelo Direito como ciência e comecei a alimentar a vontade contida de estudar fora, depois de ter ouvido um professor citar Coimbra. Falei com os mais chegados e < imagina > muitos acharam precipitado, sem sentido, porque entendiam que eu poderia fazer em Fortaleza ou em algum lugar próximo. Ouvi muito: mas por que Coimbra? Muitos não compreendem, mas a Universidade de Coimbra é uma das casas mais antigas e importantes do Direito no mundo. Sem contar que queria desbravar, conhecer uma nova cultura – sou fascinado -, viver e respirar outros ares. Foi fantástico! Uma experiência riquíssima, da qual até hoje colho frutos. Conhecimentos e amizades incríveis que conquistamos, nós os do Mestrado em Direito, da turma de 2013-2015.

No meio tempo, quando voltei para rever a família em 2014, conheci o amor da minha vida. Bem por acaso, através de um aplicativo. Não queríamos namorar, os dois saindo de relacionamentos naquele momento, mas o amor gerou uma atração irresistível. Casamos em 2016 e mantemos o mesmo ardor, com conquista, respeito e amor diários.

Digo que voltei de Coimbra um novo homem. Mais maduro e seguro de si. Aquele que era visto com desconfiança, porque não tinha muito compromisso na adolescência (ou era mal compreendido), tornou-se independente intelectualmente, não diz mais amém pra tudo. Tem consciência crítica como sempre teve, mas hoje com liberdade e apertando o foda-se frequentemente para o moralismo barato.  
Vim até aqui para dizer: siga o seu coração, seus desejos; escute quem de ama de verdade, e se essa pessoa não concordar com você, tente dialogar e mostrar as suas razões.

Fracasso é natural, é humano. Ainda vou fracassar muito. Você também vai. Mas não caia na esparrela do fracasso e do sucesso que projetam na sociedade. Dizem que sucesso é quando você tem um emprego e pode ganhar uma fortuna e, em consequência disso (dinheiro), conseguirá reconhecimento social; supostas vantagens, posições, “amizades”. Pois para mim, sucesso é se realizar como ser humano, a partir do próximo; estar bem e querer que os outros estejam bem; é um misto de autonomia, alteridade e dignidade, como falou Charles Taylor, um filósofo moderno canadense. Sucesso não tem nada a ver com dinheiro, tem a ver com paz de espírito, amor e realização.


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